Integralismo é descrito por historiadores como uma
versão brasileira do nazismo
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Ricardo Galhardo/iG
Ato foi organizado por entidades com inclinação nacionalista e teve apoio de integrantes da extrema direita
Uma manifestação "contra a ditadura comunista" e pela volta dos militares ao poder reuniu menos de 100 pessoas no final da tarde desta quarta-feira (10) na Avenida Paulista. O ato foi organizado por entidades com inclinação nacionalista como Pátria Minha, União de Combate à Corrupção (UCC), Organização de Combate à Corrupção (OCC) e Mexeu com o Brasil Mexeu Comigo contou também com integrantes de grupos de extrema direita como Resistência Nacionalista, Frente Integralista Brasileira e Carecas do ABC.
O integralismo é descrito por historiadores como uma versão brasileira do nazismo. Os Carecas do ABC ganharam notoriedade quando um grupo de 18 integrantes da gangue espancou até a morte o adestrador de cães Edson Neris da Silva, gay, em 2000. Algumas faixas também registravam a presença de ruralistas.
A maioria dos manifestantes era formada por esposas de militares e pessoas com mais de 60 anos. Eles misturaram temas típicos do regime militar como a "Canção do Exército" (Nós somos da pátria guia...) com elementos estéticos das manifestações que levaram milhões de pessoas, na maioria jovens, às ruas do país nas últimas semanas.
Embora muitos deles defendessem a chamada cura gay e se posicionassem contra os direitos civis dos homossexuais, músicas de Cazuza e Renato Russo, ambos gays assumidos, foram usadas para embalar o protesto. Uma dona-de-casa que identificou apenas como Marta, disse que votou em Fernando Collor de Mello em 1989 mas estava com a cara pintada, símbolo do movimento que levou ao impeachment do ex-presidente e atual senador por Alagoas.
Uma faixa que chamava a atenção dizia "Marcha das Famílias contra o comunismo". Em 1964, as Marchas da Família com Deus pela Liberdade, organizadas pela Sociedade Brasileira de Defesa da Família, Tradição e Propriedade (TFP), deram suporte popular para ogolpe que derrubou o presidente João Goulart e mergulho o Brasil em 20 anos de ditadura.
Alguns eram mais explícitos e pediam a volta dos militares ao poder. "Não é golpe. Queremos uma intervenção militar provisória até a realização de eleições limpas sem urnas eletrônicas fraudadas", disse uma aposentada que se identificou apenas como Regina.
A última intervenção militar provisória no Brasil durou mais de 20 anos e entrou para os livros de história com o nome de Ditadura Militar. Uma das características dos manifestantes era não revelar o nome completo. Um rapaz que se identificou como André disse fazer parte dos Carecas do ABC. Ele vestia uma jaqueta com o símbolo integralista.
Um dos poucos que teve coragem de dar o nome completo foi o professor de artes Hermiton Costa, que defendeu a volta dos militares ao poder dizendo que a possibilidade está prevista no artigo 142 da Constituição. O texto constitucional, na verdade, diz o contrário, determinando às Forças Armadas o papel de preservar as instituições democráticas do país.
Questionado sobre a contradição, ele chamou um colega, que também não soube explicar o argumento e, por fim, pediu ajuda ao engenheiro aposentado Jorge Barreto, que deu sua versão:
"Os militares podem intervir em caso de divisão do território nacional. É o caso da (reserva indígena) Raposa Serra do Sol e outras demarcações de áreas indígenas que tiram do Brasil o direito sobre as riquezas do subsolo daquelas áreas", disse ele.
Outro manifestante que teve coragem de dizer o nome foi o estudante Rodrigo Dias, de 21 anos, que carregava uma bandeira do império e se dizia monarquista. "Rui Barbosa já diza que o príncipe é criado para amar seu país enquanto os políticos só querem encher os bolsos de dinheiro", justificou.
A presença de skinheads provocou tensão entre os próprios manifestantes que baixavam o tom de voz para dizer que eram contra o fascismo e a perseguição aos judeus. "Tem que falar baixo porque tem um pessoal aí que pensa o contrário", disse um estudante.
Ao contrário dos protestos de duas semanas atrás, a manifestação de ontem foi embalada por um trio elétrico cujo aluguel, segundo a empresa responsável, custa R$ 6 mil. O trio tinha uma faixa de apoio dos ruralistas. Líderes do ato disseram que o aluguel foi pago com doações.
O músico Rui Cosmedson, 53 anos, e duas garotas usavam camisetas pretas com uma caveira semelhante à do BOPE e a sigla CCC. Ao contrário do famigerado Comando de Caça aos Comunistas dos anos 60, o novo CCC se intitula Comando de Caça aos Corruptos.
Rui aproveitou para ender por R$ 50 uma camiseta a um integrante dos Carecas do ABC. "Aproveite que na internet custa R$ 59", disse o músico.
A maior parte das pessoas que passavam pelo vão livre do Masp saindo do trabalho reagiram com indiferença. Outros, incrédulos, tiravam fotos e faziam piadas. "De onde estes caras saíram? Do passado?", perguntava, às gargalhadas, o arquiteto Julio Bonjardim. Outros ainda reagiam com indignação aos gritos de "fascistas".
Quando a passeata tentava, com dificuldade, tomar a Avenida Paulista em direção à rua da Consolação, um grupo maior com cerca de 200 pessoas protestava contra o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) e vinha na direção contrária. A intenção era se juntar à manifestação do Masp mas quando viram os cartazes e defesa da volta dos militares, desistiram. "Vou conversar com o pessoal. Não podemos nos misturar com isso", disse o estudante Vitor Araújo, um dos líderes do Fora Renan.
Alguns representantes dos defensores da volta dos militares ainda tentaram argumentar e arregimentar o grupo mas foram repelidos. "Imagine! Estamos aqui para defender a democracia e somos apartidários. Não temos nada a ver com aquilo ali", disse o publicitário Alexandre Morgado, que integra o Grupo de Apoio ao Protesto Popular (GAPP), uma turma de voluntários com treinamento em primeiros socorros que tem ajudado voluntariamente na atenção aos feridos nas manifestações.
O real poder de mobilização dos conservadores
Duas manifestações ‘pela família e contra o comunismo’, uma no Rio e a outra em São Paulo, reuniram, somadas, cerca de 100 pessoas.
Sem a carona nas mobilizações progressistas comandadas pelo MPL, os ultraconservadores voltaram a juntar grupos que cabem num ônibus.
No protesto do Rio, figurava na liderança o bizarro Maycon Freitas, “a voz que emergiu das ruas”, segundo a Veja.
Entregue a si próprio, sem as muletas de grupos mobilizadores, Maycon submergiu inapelavelmente na solidão miserável das ruas.
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